quarta-feira, 5 de outubro de 2011

O FANTÁSTICO NA PROSA ANGOLANA


ANTÓNIO FONSECA

António Antunes Fonseca, nasceu no Ambriz a 9 de Julho de 1956.

Membro fundador da Brigada Jovém de Literatura de Luanda, tem mantido actividade regular no jornalismo radiofónico, garantindo um programa de dicado à tradição oral dos povos angolanos.

Os contos aqui contidos, mantêm toda a sua beleza das regiões Congo, revelando aspectos particulares sobre a sua cultura. Licenciado em Economia, é membro da União dos EscritoresAngolanos

O CABELO E A FOME

O cabelo e a fome eram irmãos e viviam na mesma aldeia.

Um dia foram às partes do leste fazer negócios para, de seguida, irem comprar escravos

e bois. Foram ao leste e trocaram borracha com fardos de mantas e panos. Estavam já

de regresso, quando, a meio do caminho, o céu ficou carregado ameaçando chuva.

A fome começou logo a cortar ramos de árvores, a arrancar capim e construiu uma cubata e meteu-se lá com o seu fardo. Quando o cabelo ia também meter lá o seu fardo, a fome disse-lhe:

– Aqui não entras.

O cabelo disse à fome:

– Irmã, embora eu possa suportar as chuvas ficando fora, deixa-me guardar o meu fardo na tua cubata.

Todavia, a fome não ligou ao pedido.

Choveu muito e o cabelo ficou ele molhado. Depois meteram-se a caminhar e, tendo andado bastante, dormiram. Quando nasceu o novo dia, o cabelo disse:

– Irmã, fiquemos hoje aqui para eu estender e secar o meu fardo que se molhou

com as chuvas de ontem.

Mas a sua irmã fome não ligou novamente ao seu pedido.

Puseram-se de novo a caminho, até que chegaram à aldeia deles de Kazocami, onde foram recebidos com muita alegria. Depois deitaram-se.

No dia seguinte, o cabelo desata o seu fardo e verifica que os seus panos e as suas mantas estavam meio podres de bolor. Tentou apressar-se a secá-los ao sol, mas de nada lhe valeu.

As senhoras fizeram-lhe grande troça, dizendo:

– A fome trouxe bons panos e mantas, tu só trouxestes esses podres. Quem vai aceitar esses artigos nesse estado?

Dias depois, partiram os dois irmãos para o Kuango, onde ainda reinavam negócios de escravos e bois, a fim de comprarem os seus escravos e bois. Quando chegaram, cada um apresentou o seu produto. Os clientes apreciaram os artigos da fome em relação aos do cabelo, que estavam meio podres. A fome comprou muitos escravos e bois;

os fardos do cabelo ninguém os quis comprara; os clientes queixavam-se que já estavam meio podres. Um velho caçador ofereceu-lhe uma vaca pelo fardo todo, mas ele não quis e preferiu voltar com o seu fardo para a aldeia.

Já estava de volta, quando um muata (chefe) da aldeia o chamou e lhe disse:

– Qual é a maka (assunto)? Porque estás de volta com o seu produto?

E le contou tudo quanto se dera. Então o muata disse-lhe:

– Dá-me todos os panos e todas as mantas e eu dou-te um cão, que apanha cavalos- marinhos. Se souberes onde há cavalos-marinhos, o cão apanha-os, e assim refarás

toda a sua riqueza na venda da sua carne.

E o cabelo aceitou o conselho e ficou com o cão. Os irmãos retomaram o caminho e chegaram à sua aldeia. A fome sempre foi recebida com aplausos e louvores, ao passo que ao cabelo sempre foi feita troça pela população da sua aldeia, que dizia:

– Vieste com um cão! Farias bem melhor se voltasses com o seu fardo! Porque é que compraste o cão?!

O cabelo, triste e revoltoso contra sua irmã, separou-se dela.

E a fome foi morar à beira do rio, onde abundavam cavalos-marinhos. Ela cultivava milho, feijão e jinguba; os cavalos-marinhos comiam e estragavam todas as culturas.

Ao recordar a actividade do cão do seu irmão cabelo, foi, por isso, ter com o seu Irmão cabelo e disse-lhe:

– Meu irmão, empresta-me o seu cão para dar cabo dos cavalos-marinhos que estão a estragar as minhas culturas.

– Não pensas e nem tão pouco tens vergonha! Fizeste-me apanhar tanta chuva e o meu fardo teve que apodrecer a ainda vens pedir o cão?

A irmã, porém, insistiu no pedido:

– Faz favor irmão, empresta-me o seu cão.

E ste aceitou e satisfez o pedido da sua irmã.

– Toma cuidado! Quando fores com ele à caça dos hipopótamos, o primeiro hipopótamos, não lhe castigues quando ele o comer! Se assim o fizeres, ele fugirá e não o verás para sempre.

Quando a fome chegou a casa, começou a caçar em perseguição dos hipopótamos e apanhou o primeiro. O cão iniciou logo e a fome, com gula, bateu-lhe e assim o cão logo desapareceu.

E la, atrapalhada, foi ter com o seu irmão cabelo e disse-lhe:

– Meu irmão, o cão fugiu-me por minha desobediência às tuas recomendações.

– Tens de pagar muito – disse-lhe o cabelo.

A fome, sem refilar, pagou muitos escravos e bois, mas o cabelo exclamou:

– Ainda falta muito.

A fome entregou-lhe todos os filhos, netos e ficou ela sozinha.

E ste disse:

– Ainda falta muito.

A fome disse ao seu irmão cabelo:

– Uma vez que não tenho mais nada, ficou eu próprio na tua casa como escrava.

– Nem com isso; falta muito.

Com medo da morte a fome desatou a fugir, perseguida pelo cabelo. Ela olhou para trás... O seu irmão vinha com a catana; a fome foi correr a uma boa velocidade, nem conseguiu travar e entrou na boca da pessoa até ao estômago.

O cabelo, por sua vez, atrás da fome, veio parara na cabeça, no queixo como barba, nos lábios como bigode, nas axila e nas outras partes do corpo, à espera da senhora fome, para com ela ajustar as contas sobre o cão alheio que tinha fugido.

E a fome quando tenta sair vê o irmão com o seu exército em todo o corpo da pessoa e volta imediatamente para dentro. É assim que as pessoas sentem o estômago a roer.

Narração inicial: anónimo

Local: Lunda, 1980

In: Contos de Antologia, INALD, 2008

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