terça-feira, 1 de maio de 2012

MEMÓRIAS DA ILHA - CRÓNICAS


JORNALISTAS FUTUROS

Há mais ou menos um ano, a dilecta Gabriela Antunes, enviou-me a casa uns três estudantes do curso de jornalismo, da décima primeira classe, para um trabalho na disciplina de português, que os mesmos teriam que fazer sobre o meu pequeno livro.
Se falo disso, é porque só hoje me foi facilitada, por mera casualidade, a oportunidade de leitura desse trabalho, através de um dos próprios entrevistadores/alunos.
Descrevendo partes do que supostamente terá sido apreendido, a aluna deixou-me um tanto ou quanto perplexo pela inovação que emprestou, não à estória já publicada, mas ao desenvolvimento de uma nova experiência jornalística no domínio da interpretação e relato.
Bem aventurada a Gabriela Antunes, heróica e insigne mestre do curso!
Assim sendo, logo no início da sua tese, a jovem situou o velho avô, e o pai do principal personagem do conto, com uma “uma cabaça de mafume e um cestinho de jungula torrada”, colocada entre eles. Feita a digestão que terá sido do marufo e da jinguba originais, numa outra parte do livro, o herói da estória acorda “ao lado de duas rolas mortas, as mesmas que ele abatera de manhã, uma delas coberta de kissonde ao qual ele milagrosamente abandonou-as e correu para casa onde foi encontrar os familiares já preocupados”.
Quem ficou preocupado fui eu, sobretudo quando o coitado de meu já virado anti-herói, escafedeu-se da minha compreensão porque “perdeu a inocência e os sonhos deixaram de o perturbar a força de bofetadas que apanhou quando o pano de pó na mão, olhos desmaiados no trouse congiguo da imaginação em mirabaletas aventuras...”.
Como o coração ainda titubeasse, não soçobrando na onda gigantesca da imaginação da futura jornalista, esta, em pura poesia parnasiana, canta a saga dos macacos “que estavam presos numa gaiola no quintal sentiam-se inquietos talvez pelo calor, soltaram-se e atacaram o velho pela garganta, o menino apercebeu-se, correu para a cuzinha buscar uma catana e com toda a aplicação e medo cortou a cabeça do animal”.
Por esta altura do campeonato, tive que agarrar na minha, para ver se ainda lá estava, porque “o pai ao menino já não era, partira para a longa caminhada”, caminhada essa que não deve ter sido muito longa porque, quando o roceiro lhe deu um tiro na perna, “ele pensava com ele mesmo que era outra pessoa, agora num elefante feroz, leoa com cria, ligeiro como um leopardo”.
Ligeiro fui eu ao pôr o trabalho de lado, contudo tendo antes a futura jornalista, a benevolência de me informar, que eu era uma pessoa que “gosta da arquitectura (a que cresce para os lados e não para o alto)” e que, segundo a minha boa pessoa, “os jovens escritores têm dificuldades no domínio da linguagem e que o que influência muito é a escolaridade de Hoge”.
Para me arrasar por completo, a jovem estudante da décima primeira classe de jornalismo, e aluna da doutora Gabriela Antunes, num rasgo à la Lopito Feijó, crítico emérito e eminente da praça local, encerra a tese clamando que “o livro apresenta muitas palavras em Kimbundu e Kikongo, é muito complicado. As personagens não vêm o nome”.
De lágrimas nos olhos, só me resta relembrar o meu velho amigo Elias dia Kimuezo no seu “Mama kudilé ngo ué, eme muene, ngi mona”.

21/02/95

In “Memórias da Ilha-Crónica”, Nzila Editora

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