LANCEI ONTEM O MEU ÚLTIMO REBENTO, EDITADO PELA LYEA / TEXTO EDITORES, PERANTE UM PÚBLICO NUMEROSO, INTITULADO ESTÓRIAS PARA BEM OUVIR.
SEGUEM AS PALAVRAS DE APRESENTAÇÃO DA OBRA,
PELO PROFESSOR ANTÓNIO FONSECA:
Permitam-me antes de mais dizer-vos que, apesar da minha
habitual dificuldade em exprimir, teorizar pontos de vista em torno do texto
literário, constitui para mim uma honra estar aqui presente para apresentar-vos
o livro “ ESTÓRIAS PARA BEM OUVIR”, do confrade e amigo Fragata de Morais, já
que o mesmo, sendo uma nova criação, projecta para a contemporaneidade
elementos essenciais de culturas matriciais angolanas, aquelas que em larga
medida constituem-se como elementos fundamentais que dão corpo e sentido à
angolanidade, matérias que são para nós sempre gratificantes abordar.
O presente livro de
Fragata de Morais, “ ESTÓRIAS PARA BEM OUVIR”, constituindo-se como novos
textos, novas criações literárias, partindo das literaturas tradicionais do
universo que se expressa nas línguas kimbundo e umbundo, vem dar corpo à ideia
já expressa por Henrique Guerra, quando afirmava em Três Histórias Populares: “
A reinvenção da tradição literária dos povos africanos de Angola – ORATURA – é
sem dúvida um dos vectores de desenvolvimento da moderna literatura angolense,
em busca constante de uma identificação e personalidade cultural. (…)
Põe-se amiúde a hipótese de a Literatura Tradicional poder
ser aproveitada para a criação de uma Literatura Infantil Angolense. (…)
É uma
literatura de tipo pragmático, visando incutir nos sus consumidores um estado
de predisposição que os leve a encontrar respostas de actuação prática contra
as agressões do meio físico e social que as envolve.
Finalidade conseguida sem recorrência a um tom didáctico
formal, em jeito de diversão; eis um elemento aproveitável para a literatura
infantil, o de ensinar recreando, o de moldar espíritos através da actividade
lúdica; e ainda outro aspecto, a superação do real através do mítico, num jogo
que a criança entende e aceita.”Porém, acrescentamos nós, tratando-se de textos
destinados a um público- auditório indiferenciado, pois qualquer um de nós,
nestes textos poderá encontrar respostas para os problemas de que as sociedades
contemporâneos, e a nossa em particular padece.
A propósito desta temática, importa dizer que temos para
nós que os textos orais possuem frequentemente um elevado valor estético e que
por eles se perpetua toda a vida das comunidades em que se desenvolvem; que as
verdades que contêm, os comportamentos que condenam e as condutas que propõem,
frequentemente possuem um carácter universal e que por eles se procede a toda
uma formação intelectual e se desenvolve o raciocínio lógico e o espírito
crítico e ainda que apresentando-se privilegiadamente tais textos em espaços
colectivos como os jangos, em círculos da vida social e comunitária
portanto, constituem-se como elementos importantes da socialização do indivíduo
e como factores que favorecem a coesão social. Por outro lado, temos para nós
que, apresentando-se a literatura oral nas línguas nacionais ou na língua
portuguesa, com as suas naturais interferências, constitui um elemento
particular de identidade cultural, de preservação das línguas nacionais e de
enriquecimento do universo simbólico e do imaginário da língua portuguesa.
Temos por isso que, numa altura em que, como dizíamos, se
busca o resgate dos valores morais e cívicos, a recuperação de textos da
literatura oral para a escrita, tal como o Fragata nos propõe através desta
obra, seria um caminho a seguir. Aliás, grandes referências da literatura
mundial a esse percurso não foram alheios e, a literatura infantil em
particular, encontrou na literatura oral a fonte daquelas que são as
referências mundiais neste domínio, como é o caso da obra de Hans Cristian
Anderson. Aliás, importaria a propósito acrescentar que, tal como disse Arlindo
Barbeitos a propósito, “ a realidade é que as formas referidas encerram muitas
vezes vários dos géneros que a literatura escrita contém”. Porém, se é
justamente esse um dos argumentos de valor aqui trazidos pelo nosso autor à
obra, ele, Fragata de Morais, ultrapassa "a versão oral inicial que o
hábito ou o mestre consagraram” dando novo brilho e luz às palavras, ao mesmo
tempo que enquanto recupera as mensagens para os dias de hoje, ultrapassa pela
prosa-poética estilos e formas anteriores algumas experimentadas nos anos
oitenta entre nós.
Importa dizer que, quanto a nós, esses anos constituem o
período áureo da literatura infantil angolana que foi marcado pela recuperação
e recriação de textos tradicionais, processo que apresentando nos nosso dias um
tendência minguante, é aqui rompido eloquentemente, com leveza e mestria pelo
Fragata de Morais que, nesta obra de grafismo e, ou, ilustração matizada por
elementos próprios da nossa cultura, e que assim vem dar corpo ao que se
expressa na Politica Angolana do Livro e da Leitura, nomeadamente desenvolver
linhas editoriais que culturalmente correspondam à nossa cultura e ao nosso
imaginário. Como dizia, o autor Fragata de Morais ao recuperar para o livro
presente os nossos próprios objectos que proporcionam maravilhas, como o
kalubungu, do kimbundu, os nossos próprios seres e entes mitológicos, como o
ekixikixi por exemplo, vem romper com a persistência na literatura de coisas
que nos são alheios como sejam os elementos comuníssimos no lendário europeu
como sejam a varinha de condão, os cavaleiros andantes, as fadas fascinantes e
boas e por aí adiante, teimosamente entre nós usadas por alguns autores.
Para lá do que foi
dito, acrescento que “Estórias para bem Ouvir”, começando pelo título, reitera
a necessidade de bem ouvir as normas de conduta consideradas virtudes e as
práticas condenadas como defeitos, o que sem dúvida, é um dos “ problemas que estamos com eles”, e
para cuja solução, se literariamente faladas e melhor ouvidas, poderá este
livro ser uma fonte de inspiração para o trabalho futuro. Quaisquer um dos
contos quer integram este livro do Fragata de Morais, “João Grande e João
Pequeno, o Elefante e a Rã, a Menina Preguiçosa, o Pássaro Malvado, o Azar, o
Leão e o Lobo” que percorreram o tempo, aqui numa narrativa-poética, simples e
bela, perpassados por elementos culturais das comunidades de que emergiram as
formas orais iniciais dos textos em que o autor se baseou para a sua hábil
escrita, de ensinar sem forçar, numa acessível a todos os ouvidos e a todas as
mentes, em nosso entender, ao terem sido escritas como o foram para esta obra,
ganharam um lugar garantido na história da Literatura e, em particular, na
história da literatura infantil angolana.
Finalmente, devo dizer que mau grado a discussão que a
forma de grafar um ou outro termo originário das línguas nacionais usado poderá
suscitar, remetendo-nos uma vez mais
para a maka do acordo ortográfico, maka com k é claro, matéria em que kotas e
kandengues, sem fundamentalismos chegaremos a um entendimento, kota com k, é
claro, porque com c, aqui ainda significa apenas “nível de terreno”, não
obstante isso, em nada, em absolutamente nada a obra sai prejudicada, porquanto
a linguagem coloquial, o percurso que nos leva a percorrer a alma popular de
que se alimenta o nosso imaginário, o tempo de ontem e de hoje, num jogo lúdico
entre tema-espaço e gente, tendo como recurso uma narrativa-poética das palavras,
assim justamente o impõe.
Por isso, resta-me apenas dizer bem haja ao Fragata de
Morais e desejar que editorialmente esta obra seja um grande sucesso…..
António Fonseca
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