MANIFESTO DO MOVIMENTO
“VAMOS DESCOBRIR ANGOLA”
1. Em 1948, alguns escritores
angolanos, tendo como figuras de proa Agostinho Neto, Viriato da Cruz, António
Jacinto e Mário Pinto de Andrade criam o primeiro movimento literário dos
naturais da terra, o Movimento dos Jovens Intelectuais. Esse grupo de
intelectuais que viria a integrar a chamada Geração de 50, enquadrados na
Associação dos Naturais de Angola, publica a primeira colectânea de poesia
angolana, o Caderno de Poesia Negra de Expressão Portuguesa. Também editaram o
jornal MENSAGEM (Luanda, 1951-1952), com o intuito de "marcar o início de
uma nova cultura, de e para Angola, fundamentalmente angolana". Este primeiro
movimento cultural que surgiu em Angola adoptou o lema: “VAMOS DESCOBRIR ANGOLA”,
que “incitava os jovens a
redescobrir Angola em todos os seus aspectos através de um trabalho colectivo e
organizado; solicitava o estudo das correntes culturais estrangeiras, mas com a
finalidade de reflectir e nacionalizar suas criações positivas; exigia a expressão
dos interesses populares e da autêntica natureza africana, mas sem que se
fizesse nenhuma concessão a avidez do exotismo colonialista. Tudo isto deveria
basear-se no sentido estético, na inteligência, na vontade e na razão
africanas".
2. Apesar da coragem e determinação
deste grupo de intelectuais, sob o domínio da potência colonial portuguesa,
MENSAGEM contou apenas com dois números, pois recebeu um veto do Governo-Geral
de então, constituindo este revés um profundo golpe no iluminado propósito da Geração
de 50.
3. No dia 11 de Novembro de 1975, após uma luta sem
tréguas contra o colonialismo, Angola alcançava a Independência. Em 10 de
Dezembro de 1975, era proclamada a UEA, com os objectivos de, nomeadamente, “Promover
a defesa da cultura angolana como património da Nação; Estimular os trabalhos
tendentes a aprofundar o estudo das tradições culturais do povo angolano; Fortalecer
os laços com a literatura e as artes dos outros Povos Africanos;
Promoção dos valores culturais nacionais e de todas as conquistas
universais”.
4. No 8 de Janeiro de 1979, considerado "Dia da Cultura
Nacional", no acto de posse dos novos membros da União dos Escritores
Angolanos, Agostinho Neto, sempre imbuído dos pressupostos da Geração de 50, defendia:
“(...) Do ponto de vista cultural, há que analisar.
Não adaptar mecanicamente. Há que analisar profundamente a realidade e utilizar
os benefícios da técnica estranha, só quando estivermos de posse do património
cultural angolano. Desenvolver a cultura não significa submetê-la a outras.”
5. O curso da História da África Contemporânea veio
provar que o slogan “Vamos Descobrir Angola” lançado em
Luanda, em 1948, era já um prelúdio nacionalista do Renascimento Africano
promulgado em 2013, pela União Africana, por ocasião do seu Jubileu de Ouro. Nos dias 22 e 23 de Agosto de 2013, foi lançada, na
República do Congo, a Campanha do Renascimento Cultural Africano para os
Estados Membros da África Central. A Campanha visou sensibilizar os
Estados-Membros da União Africana a ratificar a Carta do Renascimento Cultural
Africano e a promover o renascimento cultural africano e o espírito do
Pan-Africanismo.
A Carta do Renascimento Cultural Africano, no seu artigo 3º, coloca como um
dos objectivos cruciais: “l) dotar os povos africanos de recursos que lhes
permitam fazer face à globalização.”
6. É consabido que as nações mais
desenvolvidas conservam sempre um pano de fundo residual cultural,
prioritariamente determinado pela língua, mesmo que essas nações sejam feitas
de vários povos e nações misturados. Já entre nós, aqui na África Austral, o
substrato bantu está a diluir-se a cada década que passa, está a tornar-se
obsoleto, e um elemento desse substrato, as línguas locais, está em desuso
paulatino.
7. Com a expansão das Tecnologia de Informação e Comunicação (TICs), hoje,
no século XXI, o Mundo deixou de ser uma Aldeia Global (numa aldeia, há espaços
largos de mobilidade) para se tornar um Apartamento Global, onde a privacidade
perde as fronteiras e tudo se sabe sobre todos (Big Brother global).
Se a imediata universalização das tendências da Arte
Universal, nos domínios da Literatura, da Música, da Pintura, do Cinema, do
Teatro, da Dança, etc., constitui um factor positivo a ter em conta no uso
generalizado das TICs, há um aspecto negativo que consiste no facto de que a
Globalização, com o apoio das TICs, criou a miragem de que a uniformidade
artística pelo padrão ocidental significa modernização. Portanto, há uma
desconsideração do fenómeno da Diversidade a favor de uma polarização
universal. A cultura dominante anglo-saxónica ampliou
a paleta comercial e hoteleira da nossa arquitectura social urbana com
denominações inglesas.
8. Como está definido nos princípios fundamentais da política cultural da
Carta, no seu Artigo 21º: “Os Estados
africanos deverão: a) assegurar que
as tecnologias de informação e comunicação são utilizadas para promover a
cultura africana.”
Foi este precisamente o legado que nos deixou a geração da revista Mensagem
para quem “A nova poesia de Angola teria de encarar o ritmo-emoção
característico do homem africano; ritmo-emoção esse que lhe era transmitido
pela própria natureza em que ele se integrava e com quem vivia em contacto
directo e em plena comunhão.”
9. Hoje, a Cultura Angolana apresenta uma diversidade de
manifestações muito ricas nos domínios das Artes e das Letras,
manifestações essas que representam a síntese estética dos sentimentos e
emoções colectivos de todo o Povo, da Alma de uma Nação.
10. Neste contexto, e
porque os ideais de emancipação e afirmação cultural da Geração de 50 ficaram
cristalizados no crisol da História de Angola, apesar dos seus mentores desaparecerem na curva do
tempo, a UEA entende que a sombra protectora e libertária da nossa bandeira
confere-nos a mais lídima oportunidade para recuperamos esse rico e inextinguível legado que as gerações dos
nacionalistas não puderam concretizar, dada a incontornável repressão colonial.
11. Neste momento de grande transcendência histórica, num
contexto de profunda transformação material da sociedade e de modernização do
Estado Angolano, a UEA propõe-se resgatar alguns esses valores essenciais do
nosso património ancestral, com vista a valorizar o produto cultural e o
estatuto do escritor deste tempo.
12. A total liberdade conferida pela Independência de
Angola constitui uma oportunidade para o resgate pleno de vários instrumentos
ideológicos culturais que nos foram legados pelos nossos ancestrais. A UEA, enquanto legítima herdeira dessa
tradição literária, mantém firme a ideia de que a independência de Angola não
significa uma ruptura com os ideais do Pan-Africanismo e do Movimento de
Libertação. Dentre eles, os que orientaram a fundação do movimento dos Novos
Intelectuais de Angola, particularmente o slogan cultural "Vamos Descobrir
Angola!", como expressão da nossa maneira africana de sentir, e que
Agostinho Neto condensou de forma
magistral na sua ode ‘A Voz Igual’, com esta frase lapidar “Reencontrar a África”, e, nos versos
sublimes: “a forma e o âmago/ do estilo
africano de vida”.
13. Com este ideário histórico-cultural, é possível aos membros da UEA
iniciarem um movimento de renascimento artístico-cultural e congregarem em
torno dele outros Artistas Angolanos, sob o lema ‘VAMOS DESCOBRIR ANGOLA’ que
procurará, com meios e capacidades intelectuais dos seus membros, e por meio da
cooperação com o Executivo Angolano e as instituições e organizações angolanas,
a União Africana, a UNESCO e os artistas e intelectuais de todo o planeta,
iniciar acções com vista a:
a) Retomar e promover os postulados teórico-culturais do
Movimento dos Novos Intelectuais de Angola, de 1948, e do seu slogan apócrifo
VAMOS DESCOBRIR ANGOLA, no sentido de ‘combater
o respeito exagerado pelos valores culturais do Ocidente (muitos dos quais
caducos); incitar os jovens artistas e escritores a redescobrir Angola em todos
os seus aspectos; estudar as modernas correntes culturais estrangeiras, mas com
o fim de repensar e nacionalizar as suas criações positivas e válidas;
pautar-se, na obra de arte, por privilegiar a expressão da autêntica natureza
africana, com base no senso estético, na inteligência, na vontade e na razão
africanas’;
b) fortalecer o papel do património cultural e natural na promoção da paz e
da reconciliação nacional;
c) estudar e divulgar os recursos para lidar com a globalização, em
particular, o conceito de crescimento qualitativo dos valores éticos e
estéticos, dos padrões de convivência, que enriquecem a vida humana e que
constituem a esfera ampla da Cultura e dos outros elementos que constituem a
‘ARTE DE VIVER’.
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