A Dança da Chuva, de Fragata de Morais
Ana T. Rocha
Fundação Dr. António Agostinho Neto
A dança da chuva (Menção Honrosa
– Prémio Sonangol de Literatura/PALOP) é o mais recente livro (2016) de Fragata
de Morais, publicado pela União dos Escritores Angolanos. Neste romance
conhecemos Fernando, um sujeito-narrador solitário, autocentrado, arrogante e
orgulhoso da sua racionalidade e ceticismo. Contudo, ao longo da história, a
personalidade, que Fernando pensa ter terminada e inabalável, vai sofrer alguns
abalos, enchendo-se de contradições. Apesar de alguma secura nas suas relações
sociais e humanas, Fernando é sensível e suscetível, pelo menos, em relação à
arte (literatura, pintura, música e cinema) e é esta sensibilidade e
vulnerabilidade, afinal, que o vai trair e coloca-lo em conflito consigo
próprio, devido aos acontecimentos paranormais e outros, simplesmente humanos,
que vai experienciando. Se no início Fernando parece, na sua altivez e
isolamento, carecer de empatia em relação aos que com ele se cruzam e o
procuram, mais tarde, a sua quase-crise identitária vai, se assim o pudermos
dizer, humanizando-o, pois, a verdade é que, no começo do romance, Fernando
chega a inquietar o leitor devido ao seu desdém pelos outros, seus
preconceitos, machismo, homofobia e egoísmo. Ironicamente, as suas características
voltam-se sempre contra ele: renitente ao comprometimento com os outros,
termina envolvido na vida privada de Selina, Sessenta e Elisandra; o seu
ceticismo converte-se em reza quando dele se aproxima um gato que teme de
maneira irracional; o seu machismo e homofobia são atacados numa cena (repleta
de estigmas) de sexo no Brasil. Nestes sete capítulos, antecedidos, cada um,
por uma epígrafe sempre muito bem escolhida, o estilo de Fragata denota o
trabalho de lima na linguagem cuidada escolhida (mesmo para as falas das
personagens!) e uma busca de envolvimento com outras artes nas descrições de
alguns ambientes e cenários (música e um visualismo cinematográfico). Merece,
contudo, uma revisão para próximas edições, pois não foi difícil encontrar-lhe
várias gralhas.
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