quarta-feira, 5 de outubro de 2011

PROVÉRBIOS ANGOLANOS












KUVEMBA NDI KUTYITA KWAKWASI, KUHANDEKELANI, KWAKUKALU.


Gerar é fácil. Educar custa.






Provérbio dos Vangangela

SUMAÚMA - POESIA




DILEMAS COLORIDOS


Nas garras avarentas

da incerteza

e preso no olhar

dos teus sorrires

galopei o infindo

dos sonhos

recoberto das vestes

do arco-íris

coloridas por ti

de mundos medonhos

MEMÓRIAS DA ILHA - CRÓNICAS


TERNO ELECTRÓNICO

Fiquei pasmado ao ler uma notícia neste nosso Jornal de Angola, do dia 12 de Outubro corrente, imputando uma acção deveras reprovável ao alfaiate do presidente Bush, mas que no entanto só poderá ser atribuída ao seu cozinheiro. Ao confirmar-se provada tal acusação, a de o terno do presidente revelar uma saliência duvidosa, o candidato às próximas presidenciais dos Estados Unidos da América ver-se-á não só em maus lençóis como igualmente tido por trapaceiro para quem tudo vale.

É grave, e é por isso que acho que o Jornal de Angola deveria ter feito previamente uma averiguação, como mandam as regras do verdadeiro jornalismo de investigação, porque notícias como essa, podem ter enorme influência nos resultados eleitorais norte-americanos, para alem da possibilidade de causarem uma provável indigestão ao nosso bom do Bush.

Não se alarmem caros leitores, o presidente norte-americano certamente que não vai mandar invadir Angola, mesmo sendo o nosso petróleo cada vez mais precioso para ele, por achar que o Jornal de Angola representa um verdadeiro perigo.

Eu é que estou preocupado que o refinamento das técnicas de escuta e transmissão de mensagens, chegue ao extremo de se colocar pontos electrónicos em ternos, utensílios que se usavam no passado para transporte de comida, e dos quais ninguém mais se lembra, muito menos numa América!

Já viram o que é um emissor no meio de sopa quente ou escondido dentro da posta do peixe frito? É só o Bush distrair-se um pouco com as réplicas do Kerry, e lá vai o dito cujo pela presidenciável goela abaixo, numa garfada mais ávida. E se por acaso o tal de transmissor estiver escondido no seio de uma batata frita, ou se for daqueles último modelo, dentro de um grão de ervilha, nada nos garante que a dentadura do presidente continue boa, ou que não venha a ouvir do seu estômago a seguinte mensagem.

“Hey boss take care, that is not the answer!… Don’t tell Kerry that we really just wanted to bomb the hell out of Saddam…! (Quem não fale inglês que peça ao Jornal de Angola para traduzir, se não ainda me vejo metido nesta estória de espionagem contida em ternos. Deus que me guarde!)

Notícias como esta podem representar um verdadeiro perigo para o nosso diário matutino, já que têm o condão de demonstrar o quão implicado está com o Bin Laden. A prova, caros leitores, é a demonstração do refinamento das técnicas usadas pelo Jornal de Angola, colocar um ponto electrónico de escuta no terno de Bush, mesmo que eu não perceba porque é que o homem teria que comer ao meio do debate. É ou não é a sublimação do terrorismo internacional?

Depois, para disfarçar, ainda vêm cá com o conto do costureiro presidencial, um tal de Georges de Paris, como se fossemos todos burros. Já se viu costureiro a colocar microfones e afins em ternos? Deixem lá mazé o coitado em paz. Se a saliência no terno se acentuava sempre que o Presidente cruzasse os braços ou se inclinasse para a frente, certamente só poderia ter dois motivos.

O primeiro. Todos que viram no debate o terno com a tal de saliência acusadora, teriam que saber que a referida só poderia ter sido produzida com uma martelada ou algo parecido. O senhor jornalista, por acaso viu o Bush a martelar qualquer outra coisa a não ser o juízo e a paciência do Kerry? Então?!...

O segundo. O cheiro da comida estava a agoniá-lo e desejava vomitar, sensação com que eu também fiquei depois de ler a notícia.

Aconselho que o Luís Fernando, director do Jornal de Angola, escreva imediatamente tanto ao Scott Stanzel, responsável pela campanha de Bush, quanto à Nicolle Devenish, directora de comunicações da mesma campanha, pelo menos para que a nossa tranquilidade seja preservada. Com o Bush não se brinca, quem não sabe? Porque é que não se colocou toda essa aparelhagem espionística no fato do homem?

17/10/04

O FANTÁSTICO NA PROSA ANGOLANA


ANTÓNIO FONSECA

António Antunes Fonseca, nasceu no Ambriz a 9 de Julho de 1956.

Membro fundador da Brigada Jovém de Literatura de Luanda, tem mantido actividade regular no jornalismo radiofónico, garantindo um programa de dicado à tradição oral dos povos angolanos.

Os contos aqui contidos, mantêm toda a sua beleza das regiões Congo, revelando aspectos particulares sobre a sua cultura. Licenciado em Economia, é membro da União dos EscritoresAngolanos

O CABELO E A FOME

O cabelo e a fome eram irmãos e viviam na mesma aldeia.

Um dia foram às partes do leste fazer negócios para, de seguida, irem comprar escravos

e bois. Foram ao leste e trocaram borracha com fardos de mantas e panos. Estavam já

de regresso, quando, a meio do caminho, o céu ficou carregado ameaçando chuva.

A fome começou logo a cortar ramos de árvores, a arrancar capim e construiu uma cubata e meteu-se lá com o seu fardo. Quando o cabelo ia também meter lá o seu fardo, a fome disse-lhe:

– Aqui não entras.

O cabelo disse à fome:

– Irmã, embora eu possa suportar as chuvas ficando fora, deixa-me guardar o meu fardo na tua cubata.

Todavia, a fome não ligou ao pedido.

Choveu muito e o cabelo ficou ele molhado. Depois meteram-se a caminhar e, tendo andado bastante, dormiram. Quando nasceu o novo dia, o cabelo disse:

– Irmã, fiquemos hoje aqui para eu estender e secar o meu fardo que se molhou

com as chuvas de ontem.

Mas a sua irmã fome não ligou novamente ao seu pedido.

Puseram-se de novo a caminho, até que chegaram à aldeia deles de Kazocami, onde foram recebidos com muita alegria. Depois deitaram-se.

No dia seguinte, o cabelo desata o seu fardo e verifica que os seus panos e as suas mantas estavam meio podres de bolor. Tentou apressar-se a secá-los ao sol, mas de nada lhe valeu.

As senhoras fizeram-lhe grande troça, dizendo:

– A fome trouxe bons panos e mantas, tu só trouxestes esses podres. Quem vai aceitar esses artigos nesse estado?

Dias depois, partiram os dois irmãos para o Kuango, onde ainda reinavam negócios de escravos e bois, a fim de comprarem os seus escravos e bois. Quando chegaram, cada um apresentou o seu produto. Os clientes apreciaram os artigos da fome em relação aos do cabelo, que estavam meio podres. A fome comprou muitos escravos e bois;

os fardos do cabelo ninguém os quis comprara; os clientes queixavam-se que já estavam meio podres. Um velho caçador ofereceu-lhe uma vaca pelo fardo todo, mas ele não quis e preferiu voltar com o seu fardo para a aldeia.

Já estava de volta, quando um muata (chefe) da aldeia o chamou e lhe disse:

– Qual é a maka (assunto)? Porque estás de volta com o seu produto?

E le contou tudo quanto se dera. Então o muata disse-lhe:

– Dá-me todos os panos e todas as mantas e eu dou-te um cão, que apanha cavalos- marinhos. Se souberes onde há cavalos-marinhos, o cão apanha-os, e assim refarás

toda a sua riqueza na venda da sua carne.

E o cabelo aceitou o conselho e ficou com o cão. Os irmãos retomaram o caminho e chegaram à sua aldeia. A fome sempre foi recebida com aplausos e louvores, ao passo que ao cabelo sempre foi feita troça pela população da sua aldeia, que dizia:

– Vieste com um cão! Farias bem melhor se voltasses com o seu fardo! Porque é que compraste o cão?!

O cabelo, triste e revoltoso contra sua irmã, separou-se dela.

E a fome foi morar à beira do rio, onde abundavam cavalos-marinhos. Ela cultivava milho, feijão e jinguba; os cavalos-marinhos comiam e estragavam todas as culturas.

Ao recordar a actividade do cão do seu irmão cabelo, foi, por isso, ter com o seu Irmão cabelo e disse-lhe:

– Meu irmão, empresta-me o seu cão para dar cabo dos cavalos-marinhos que estão a estragar as minhas culturas.

– Não pensas e nem tão pouco tens vergonha! Fizeste-me apanhar tanta chuva e o meu fardo teve que apodrecer a ainda vens pedir o cão?

A irmã, porém, insistiu no pedido:

– Faz favor irmão, empresta-me o seu cão.

E ste aceitou e satisfez o pedido da sua irmã.

– Toma cuidado! Quando fores com ele à caça dos hipopótamos, o primeiro hipopótamos, não lhe castigues quando ele o comer! Se assim o fizeres, ele fugirá e não o verás para sempre.

Quando a fome chegou a casa, começou a caçar em perseguição dos hipopótamos e apanhou o primeiro. O cão iniciou logo e a fome, com gula, bateu-lhe e assim o cão logo desapareceu.

E la, atrapalhada, foi ter com o seu irmão cabelo e disse-lhe:

– Meu irmão, o cão fugiu-me por minha desobediência às tuas recomendações.

– Tens de pagar muito – disse-lhe o cabelo.

A fome, sem refilar, pagou muitos escravos e bois, mas o cabelo exclamou:

– Ainda falta muito.

A fome entregou-lhe todos os filhos, netos e ficou ela sozinha.

E ste disse:

– Ainda falta muito.

A fome disse ao seu irmão cabelo:

– Uma vez que não tenho mais nada, ficou eu próprio na tua casa como escrava.

– Nem com isso; falta muito.

Com medo da morte a fome desatou a fugir, perseguida pelo cabelo. Ela olhou para trás... O seu irmão vinha com a catana; a fome foi correr a uma boa velocidade, nem conseguiu travar e entrou na boca da pessoa até ao estômago.

O cabelo, por sua vez, atrás da fome, veio parara na cabeça, no queixo como barba, nos lábios como bigode, nas axila e nas outras partes do corpo, à espera da senhora fome, para com ela ajustar as contas sobre o cão alheio que tinha fugido.

E a fome quando tenta sair vê o irmão com o seu exército em todo o corpo da pessoa e volta imediatamente para dentro. É assim que as pessoas sentem o estômago a roer.

Narração inicial: anónimo

Local: Lunda, 1980

In: Contos de Antologia, INALD, 2008