sábado, 2 de janeiro de 2010
ANTOLOGIA PANORÂMICA DE TEXTOS DRAMÁTICOS
JOÃO MAIMONA
DIÁLOGO COM A PERIPÉCIA
ACTO PRIMEIRO
A acção passa-se no centro de uma aldeia do município de Maquela do Zombo. Casa do Chefe da aldeia, ornada com objectos de arte típicos da região. Bancos de várias cores enchem a sala principal da casa que representa a cena. Todas as personagens vestem segundo a moda em voga na região excepto o Chefe que veste à tradição da aldeia (Traje antigo de régulo). Ao subir o pano, Kazolawoko, à boca da cena, encontra-se sentado numa cadeira giratória. Trata-se de uma posição temporária: pois não vai permanecer no seu posto durante toda a peça. Ora vai conversando com uma das personagens em cena, ora vai gesticulando, no meio do sorriso, chamando a atenção do público.
Ao fundo, numa mesa com várias folhas de papel, encontra-se o relato. À direita, ao lado do Chefe da aldeia estão algumas raparigas que constituem o grupo coral. Ouvem-se algumas notas de música cheias de melancolia entoadas por elas. Aparece Mengawaku, o primeiro figurante, a falar para o auditório. O coro deixa de cantar. Segue-se um instante de silêncio.
CENA I
MENGAWAKU
(A cabeça inclinada, os braços cruzados, efectuando passos curtos, vai pronunciando as primeiras palavras)
Um sonho tenho eu... um sonho velho e doloroso... E... este sonho é o meu despertador: abandonar esta aldeia sem felicidade... desprovida de tudo... e viver numa cidade que apenas conheço pelo nome e pela geografia. (Breve pausa. Adiantando-se uns passos e olhando para o público. Prossegue, ar triste) Infelizmente o meu destino sombrio obriga-me a permanecer na rua, andar atrás das aves, descobrir as árvores que rodeiam esta maldita aldeia e sobretudo ver a luz do sol que se multiplica, repetindo o ciclo da minha miséria.
MFUMO MADIA
(Bem refastelado na sua poltrona)
Ó meu filho!... o que é que suscitou essas palavras nos teus lábios? Que queres, meu filho?! Estás mal aqui em casa do Chefe da aldeia, teu pai?!
MENGAWAKU
Pai, não me fales em Chefe da aldeia... deixa-me dizer algo sobre o meu estado.
ACTO SEGUNDO
A presente acção decorre numa das salas a confortável casa do velho Kitoko: casa implantada numa aldeia pobre. Inundam o palco poltronas, mesas, armários envidraçados e bancos. Estão em cena quatro figurantes: MFUMO MADIA, ORLANDO LIMA, KITOKO e SIVI. Todos vestem trajos de cerimónia. Ao subir o pano, Kitoko e Sivi encontram-se sentados, falando pelos cotovelos. Abre-se a porta da esquerda, entram Mfumo Madia e Orlando Lima.
MENGAWAKU
Bem verdade, mãe. Diz tudo, mãe... tudo o que tiveres escrito na tua memória. (Olhando para o pai) Pior é a minha situação de aldeão. Estou farto desta vida da aldeia. Quero viver longe daqui... longe daqui... na capital: uma cidade que aprendi na geografia do meu país, Cidade onde existem estradas de asfalto, onde terei ocasião de contemplar grandes edifícios, maximbombos, homens de raça do Padre Ricardo (Com as mãos poisadas no peito e a cara virada para o tecto) Quero ver o meu sonho transformar-se em realidade: viver na capital, para ver de perto a ordem e a desordem que caracterizam as grandes cidades. E sobretudo assistir a um espectáculo fortuito: o das crianças que vão è escola para descobrir um outro mundo, vestidas de roupas que para mim, filho do Chefe da aldeia, são apenas um sonho.
MAKIESSE
É uma miséria! É uma miséria! O povo todo da aldeia vive do trabalho de campo e da caça. E nesse trabalho as famílias ganham uma miséria, agitando assim a bandeira do sofrimento.
MFUMO MADIA
(Avançando uns passos para Makiesse e Mengawaku)
Ora bem meus senhores. Esta situação que atravessamos não deve constituir inquietudes para ninguém. Somos um povo pobre porque pertencemos a um país ainda subdesenvolvido. E não há nenhum país no mundo sem aldeias... sem as dificuldades que inferiorizam a nossa vida. Nós estamos com a cabeça cheia de ideias críticas-destrutrivas, e não de iniciativas para melhorar a nossa condição. O meu filho, Mengawaku, quer mudar de vida. Perfeitamente. Quer uma vida diferente... quer conhecer uma quadra onde não haja miséria e sofrimento... Sim, estou de acordo com o que disseram. Mas devem saber que na cidade nada cai do céu. Ninguém recebe gratuitamente as coisas deste mundo... deste mundo! (segue-se um momento de silêncio entre os presentes. A intervenção de Mfuno Madia marcou os outros figurantes)
MAKIESSE
(Delicadamente abandona o seu banco. Dirige-se para o auditório sorrindo)
São belas as palavras que o Senhor, Chefe da nossa aldeia, acaba de pronunciar. (Voltando-se para o marido, continua falando no meio do sorriso) Olha, o meu filho não pode continuar nesta vida de inferno. Deve acabar de acompanhar a mãe às plantações.
MENGAWAKU
É o que eu quero, mãe. Abandonar o campo. Acabar com esta vida de dores do excessivo esforço na lavra.
MFUMO MADIA
Posso chegar a uma conclusão... Vivo com pessoas que se consideram infelizes. Pobre gente! Abandonar a aldeia! E pensam que é uma solução viável. Isso é uma falta notória de consciência, falta de noção de responsabilidade. A aldeia também precisa de gente! Não sabem?!
MAKIESSE
(um pouco exaltada)
Cala-te! Não admito que fales para mim nesses termos tão injuriosos. Não achas que somos seres infelizes?! E que vivemos numa paisagem infeliz?! Prefiro viver em estado de pobreza numa cidade do que nesta aldeia, tua propriedade. Não posso suportar a imagem pálida desta aldeia. Ai-iii... mpasi-za-nza
MANGAWAKU
Falaste bem, mãe! E, é realmente uma paisagem infeliz. E eu diria ainda triste... esmagadora... envolta numa casca de miséria. (Com serenidade, adianta uns passos para o pai e continua falando) E, é realmente uma imagem pálida. E nós somos gente perdida, gente abandonada nesta paisagem que oferece a uma centena de famílias uma atmosfera morta. Vejamos. As crianças da aldeia nunca viram um boné, a bicicleta, os brinquedos... palavras que aprenderam na primeira classe. E na cidade essas coisas pululam. Até as crianças de famílias pobres as possuem... (Breve pausa. Vai à boca da cena, olhando para o auditório) E posso alongar a minha lista: as crianças da aldeia nunca viram o Presidente da República... que apenas conhecem pelo nome e pelo retracto que existe algures nas escolas onde vão aprendendo coisas que talvez nunca conhecerão. E se não fossem as visitas do Padre Ricardo nunca teríamos visto uma viatura. E na cidade há viaturas de todas as cores... as crianças necessitam dessas coisas para nutrir a vista.
MFUMO MADIA
Desaparece daqui! Desaparece daqui Olha que tenho o poder de te mandar para a cadeia. Estás a ferir-me. Desaparece daqui!
Concordo com o meu filho. (Breve pausa. Concentra-se durante uns segundos e prossegue) O meu filho levantou a questão que preocupa as nossas crianças. E também deveria preocupar os pais... A chegada da viatura do Padre é um acontecimento de extrema importância. É a única que visita a aldeia... isso é uma verdade! Sai da cidade para a aldeia... só para testemunhar a oração que o Padre faz em nome da comunidade. O Padre é o nosso salvador. Dá-nos tudo: orações, leite em pó, cobertores para as nossas crianças... é o nosso pai. A prova? A sua chegada rompe o silêncio que se estabelece durante a semana. A mim se me afigura que a sua presença entre nós é um presente do céu. Através do padre, descobrimos a grandeza da bondade do Senhor e sobretudo da bênção.
MENGAWAKU
Mais duas palavras, mãe... duas palavras. E vamos convencer o pai!
MAKIESSE
Sim... filho... podes falar.
MENGAWAKU
Sim, vou apenas dar ma achega à observação da mãe. O Padre é o nosso deus. A sua presença chega a metamorfosear a atmosfera da aldeia. Todas, crianças, jovens e velhotes empilham-se à volta dele para vê-lo de perto, apertar a sua mão e ouvir as palavras que pronuncia.
MFUMO MADIA
(Concentra-se. Recupera o seu fôlego)
Ah, ah!. O meu povo está enganado. Este povo que fica angustiado, que se interroga sobre a escuridão da sua paisagem. Está enganado o meu povo! O Mpelo é o maior explorador do mundo... explorador que espalha palavras destruidoras sobre a origem do homem, explorador que surge no rosto da multidão para enganá-la com palavras embaladoras, explorador que ajudou os colonialistas que contribuíram em muito para a miséria e o atraso cultural das nossas comunidades. (Breve pausa. O auditório bate palmas. Adoptando um tom de violência, continua, declamando versos do Autor de “A renúncia impossível”)
Acabai com os missionários
os seus sofismas
os seus milagres
inventados para justificar ambições e vaidades...
E querem ir para a cidade! A aldeia vai ficar despovoada?! Os rapazes querem ir para a cidade... e as raparigas vão casar com quem?! Libertem-se dessas ideias obscuras... Libertem-se... Libertem-se.
MAKIESSE
(Respondendo à pergunta posta por Mfumo Madia)
Contigo! É possível que seja contigo... os chefes da aldeia são adeptos da poligamia.
MENGAWAKU
Makiesse! Minha mãe! Estás mal informada! A aldeia vai ficar sem raparigas. Os muatas da cidade Vêm para aqui raptá-las para servirem de criadas... E as raparigas estão decerto satisfeitas.
MFUMU MADIA
Creio que todos ouviram as opiniões do meu filho. Agora compreendo as suas preocupações... são decerto um grito de desespero, de angústia... vou deixá-lo em paz... e fazer a sua vida segundo os desejos que animam seu coração... vou... vou deixá-lo em paz,
MANGAWAKU
(Volta-se para o pai, vai falando todo satisfeito)
Gostei da tua opinião pai. Julgo que as tuas palavras alumiarão os meus futuros caminhos na cidade que me vai acolher dentro de dias. Tenho que sair daqui, pai. O filho de Makubi saiu daqui... e hoje é motorista dos serviços de Saúde... o filho de Makengo fez o mesmo,,, e hoje é funcionário do maior cemitério da capital onde regista os defuntos e tem um salário animador... o filho de Mavunza deixou a aldeia e hoje faz uma candonga muito fértil... anda numa roda-viva entre o Norte e o Sul, vendendo milho e peixe! Devo sair daqui, pai. Vou trabalhar. E serei um homem honesto, consciente. Serei um outro Mengawaku. Nzambi (4).
MFUMU MADIA
Decerto: vais para a cidade! Mas não é para seres motorista... candongueiro... (Olha o filho, indicando-o pelo dedo) Tu tens a sexta classe, poderás ser um funcionário dos Serviços Públicos... e trabalhar para a restauração económica do País!
MAKIESSE
(Interrompendo-o energicamente)
Já pensaste no alojamento?! No dinheiro necessário?! Não há ninguém para lhos dar! O tio que podia ajudá-lo já desceu à
terra... Tinha tudo esse pobre homem... Era funcionário do Estado. Tinha uma boa casa. Com quintal, capoeira... Só lhe faltavam filhos e uma mulher. Depois da morte, com a penúria de habitações que existe nas grandes cidades, o Estado entregou a casa a um colega de serviço... E agora!
MFUMO MADIA
Está certo. Mas o meu filho deve mudar de habitat. Viver numa cidade. Abrir-se ao mundo, interrogar a Natureza e a Humanidade e sobretudo formar a sua concepção do mundo. Assim, a sua presença na Universidade torna-se imperiosa. Quem está preocupado agora sou eu. Deixem-me pensar no futuro do meu filho.
MAKIESSA
(Levanta-s3e atrapalhada, senta-se de novo)
Vamos solicitar uma bolsa de estudos ao Padre Ricardo...
MFUMU MADIA
(Quase num tom de excitação)
Queria mandar-te calar... mas... o teu Padre não aceitará... Ele concede bolsas de estudos aos órfãos E o Mengawaku não o é! Outra barreira: o Mengawaku é filho de um representante do Governo Central. E o teu Padre, explorador das Sociedades, não concede bolsas de estudos aos filhos de pessoas que representam o Governo. Mas vou pensar nisto!
MENGAWAKU
(Levanta-se com um ar triste)
Quem me dera ser órfão... e descendente de um camponês qualquer!
(Depois destas palavras amargas de Mengawaku, a porta da esquerda abre-se, saem Makiesse e Mengawaku e entra Kalunga. Traz uma meia dúzia de garrafas de Nsamba, a mão esquerda carrega documentos contendo projectos a apresentar ao chefe Mfumo Madia. Este ordena ao grupo coral que ofereça mais um trecho de música como sinal de saudação a Kalunga).
CENA II
Casa de Mfumo Madia que recebe a visita de Kalunga
KALUNGA
Bom dia, Excelência. Estou encantado por ver o Senhor.
MFUMU MADIA
(Levanta-se lentamente)
Bom dia, Kalunga. Sê bem vindo a esta casa. Senta-te.
KALUNGA
(Depois de uma curta pausa)
Bem! Meu Senhor, como é vai a vida da aldeia?
MFUMU MADIA
As últimas notícias que possuo dão-me conta de uma situação sem perturbações... de dias de calma... confesso que tudo vai bem. A massa adulta oferece-se de corpo e alma para os trabalhos do campo.
KALUNGA
Tudo vai bem? Tem a certeza?
MFUMU MADIA
Tenho a certeza. Porque creio nas informações dadas pelo meu relator que percorre toda a aldeia dia e noite.
KALUNGA
(ri-se)
Pessoalmente, tenho outra opinião sobre a vida na aldeia... Mas antes de o elucidar sobre a actualidade da aldeia que dirige, queria oferecer-lhe um copo de Nsamba.
MFUMU MADIA
Muito bem! Espero que tenhas recolhido todos os dados ligados à vida da nossa aldeia e que tenhas a habilidade suficiente para transmiti-los ao teu interlocutor.
KALUNGA
(Vai falando com ar um tanto calmo, enquanto Mfumu Madia vai bebendo)
Sou muito pessimista quanto ao futuro da aldeia... Por mim, aconselho o Senhor a demitir-se.
MFUMU MADIA
(Surpreendido com esta asserção, inclina-se. Há um silêncio)
Como hei-de demitir-me se as coisas vão bem e o Governo Central está satisfeito com a minha política? (Levanta-se) Suponho que o povo é favorável à minha política!
KALUNGA
A verdade é que os nossos prognósticos são divergentes... (Curta pausa. Volta a dirigir palavras a Mfumo Madia) A aldeia encontra-se numa situação asfixiante, com uma pluralidade de episódios. O sofrimento, a miséria... constituem os males da nossa aldeia. E todo o povo se queixa. (Breves pausa. Bebe um copo de Nsamba. Prossegue, ar tranquilo) Queira perdoar-me esta interrupção, e peço desde já desculpas porque irei alongar a minha comunicação.
MFUMU MADIA
Acho que é desnecessário pedir desculpas. Estamos reunidos para analisarmos as condições de vida da nossa colectividade. Deixo-te falar... deixo-te dizer tudo sobre a marcha da nossa aldeia.
KALUNGA
(Exibindo o rosto de uma pessoa satisfeita)
Está muito certo. Agradeço a sua intervenção. E faço votos para não tornar a pedir desculpas. Esclarecerei as minhas palavras em nome daqueles que vivem neste mundo atravessado por uma fenda de pobreza. E não só. (Olha atentamente a sala e dirige-se ao auditório) Permitam-me, senhores convidados, apresentar-vos o quadro de hoje... O quadro que desfila sob a nossa vista. Não são... sim não são palavras calculadas. Nem períodos nutridos de código fraseológico. Mas sim imagens concretas do nosso drama... O nosso quotidiano veicula uma gama de dificuldades que se resumem em imagens de mal-estar. As nossas comunidades sofrem... Vivem numa aldeia miserável. E nós fazemos parte dessas comunidades e somos humanos! Se realmente queremos exprimir as nossas opiniões e ideias sobre este assunto acalorado, devemos adoptar atitudes honestas e conscientes...
MFUMU MADIA
Obrigado pelas palavras que acabas de pronunciar. Creio que... creio que as coisas devem ser analisadas por todos nós, sem distinção de categoria.
Podes falar... podes falar... pois tens a palavra. No entanto, peço-te que uses das tuas faculdades intelectuais e que faças uma análise objectiva. Podes falar.
KALUNGA
Excelência, sabe que a aldeia vai ficar despovoada?! As nossas raparigas estão a ser raptadas para as grandes cidades onde são empregadas como criadas, como meninas de cozinha... E os rapazes? Mas já deve saber... (Quase como quem vai chorando) É miserável a nossa situação. Não há escolas. E os rapazes preferem abandonar a aldeia, viver na cidade onde há coisas agradáveis.
MFUMO MADIA
Não acredito, não acredito que a aldeia fique despovoada. Podem sair... podem sair... mas o processo reprodutivo continua. E sempre haverá povo. Um povo firme que acredite no futuro e eu também tenho esperança nesse futuro.
KALUNGA
Sim, também acredito no futuro. Mas a verdade é que a nossa situação é lamentável. Não há dispensários nem hospitais. Para o tratamento de doenças, o povo tem de recorrer a práticas tradicionais. E essas práticas, não são próprias deste tempo. Estão ultrapassadas, estamos no tempo moderno.
MFUMU MADIA
Creio não haver medicamentos tão eficazes como as plantas medicinais. Creio... creio nisto tudo. As coisas são claras! Tenho oitenta anos. Nestes oitenta anos, nenhum comprimido tomei, nenhuma seringa comigo contactou...
KALUNGA
É verdade. É verdade porque o senhor tem muita hortaliça à disposição, o que lhe confere maior resistência às doenças.
MFUMU MADIA
(Ri-se e levanta-se, volta-se para o lugar de Kalunga, pondo a mão direita nos ombros deste)
Bem. Também podias dizer que foi uma coincidência feliz! Mas não é. Isto demonstra uma certa habilidade dos nossos antepassados no domínio da terapêutica.
KALUNGA
Uf! Uf!... Que vida é essa? Percorri os caminhos da aldeia esta manhã. Vi crianças nuas desfilarem nas ruas. Pobres, ventres inchados. Fui acolhido pela indignação: de todos os cantos, sentia-se o aroma da miséria, da ignorância, do sofrimento tumefacto e no fim tive que fechar os meus dois olhos para não ver a nudez. E sou uma pessoa de esperança.
MUFUMU MADIA
(Recai na poltrona, fala com voz quase lamurienta)
Oh Kalunga! Fizeste uma boa observação... tens a vista para isso. Mas temos de trabalhar para poder apagar esta paisagem negra. Só assim é que vamos servir melhor a nossa colectividade. Temos de pensar nas nossas restrições e possibilidades. E o Governo tem possibilidades de melhorar a imagem da nossa aldeia. Temos que inventariar todos os problemas que a nossa colectividade vive e canalizá-los para o Governo Central. Não foi assim que as outras aldeias do país procederam? E hoje...?!
KALUNGA
Bom! Eu sei muito bem que o Governo tem poder financeiro suficiente para mudar tudo! Mas olhe, há um outro assunto que considero espinhoso.
MFUMO MADIA
Qual é? Qual é?
KALUNGA
(Dirige-se-lhe num tom calmo, a mão esquerda no bolso correspondente das calças e a direita pousada no peito)
Já deve saber... pois todos os habitantes de Mbanza Mongo foram informados. Somos pobres. Está certo. Mas agora na aldeia nasceu um clima de contraste... O filho do velho Kitoko construiu uma casa para os pais,,, uma casa de 36 compartimentos para duas pessoas?!
MFUMU MADIA
Estás a falar a sério? Quem será o filho do velho Kitoko?
KALUNGA
(Aproxima-se do Chefe)
O povo está revoltado... está mesmo revoltado. O filho do velho Kitoko, Ministro de estado, devia pensar mais nos interesses da colectividade construindo estradas, pontes, escolas, hospitais...
do que instalar aqui aquilo que o povo considera hoje um escândalo. É um autêntico escândalo. A casa tem tudo: energia eléctrica, coisas ricas que vêm da cidade como bebidas alcoólicas, carne congelada, água mineral... é, é, é realmente um escândalo.
MFUMU MADIA
Muito bem! Vamos escrever ao Governo Central: exalar a nossa tristeza, o nosso sofrimento e ainda o nosso protesto e a nossa indignação. E penso que o Governo vai tomar medidas a favor da colectividade.
(Desce o pano lentamente)
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