sábado, 1 de janeiro de 2011

MEMÓRIAS DA ILHA - CRÓNICAS


O SINDROMA DOS QUARENTA

Tenho um amigo que, chegado à da meta quarentona, desenvolveu uma invulgar preocupação existencial.

De súbito tudo deixou de ter significado e o mundo que lhe era tão belo, tornou-se num grande e infindável ponto de interrogação, perdido no cosmos da sua ansiedade. Navegava, agora, num mar de questionamentos e dúvidas. O coitado sofre, ou pelo menos assim parece.

E sabem porquê? Porque pensa que ultrapassou o Rubicão, sente-se velho, vê-se avô desde que a Paulinha, a filha, anunciou a sua gravidez. A revelação cilindrou-o com o peso de uma manada de elefantes.

Começaram, então, as agonias e as longas noites de ansiedade.

O Joca, o tal amigo de quem falo, que ocasionalmente parava em minha casa, começou a aparecer mais amiúde. Determinou que seria ali que a sua canoa existencial soçobraria ou seria levada a bom porto, as suas dúvidas seriam ali esclarecidas e a ansiedade eliminada.

Não que eu assumisse qualquer papel psicanalítico funcional, esse desempenho estava reservado à minha garrafa de whisky, porém, eu possuía a feliz capacidade de, nos intervalos dos seus extensos monólogos existenciais, despertar metodicamente com um “pois é, pois é” salvador. Ficava, deste modo patente o sentimento de carinho e interesse devotados.

O Joca, numa noite de particular angustia, revelou-me que negara fogo, no campo das doces batalhas conjugais. O monakaxitu (bazuca) não disparara.

“Porra, pá! Não consegui o segundo tiro da noite, pela primeira vez”, disse ele, torturado.

Ao rir-me, cortou relações comigo às três da manhã, por achar que a minha desatenção tinha ultrapassado os limites da tolerância e da amizade. Eu não havia, segundo ele, levado a peito a sua angústia.

É que, para não o estar a ouvir mais sobre as suas refregas conjugais, eu perguntei ao Joca se ele conhecia a diferença entre o medo e o terror.

Claro que ele não conhecia, muito menos depois de meia garrafa de whisky já varrida. Quando olhou para mim com olhos de carneiro mal morto, eu, ferino, expliquei-lhe, que medo, era aquela situação que ele me descrevera, não conseguir o segundo tiro da noite pela primeira vez, para usar as suas palavras. E que se não parasse com essa conversa mole, terror, seria o que conheceria em breve, ao não conseguir o primeiro tiro da noite, pela segunda vez.

Isto será razão para bons amigos se zangarem?

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