POPULACIONAMENTO
O “Correio da Semana” último, em posição de merecido destaque, mostrava um patriarca vigoroso e benguelense que, por mares nunca antes navegados, produzira até ao presente minuto a módica ninhada de sessenta e dois filhos.
Em profundo grito de emoção, clamei orgulhoso por esta ditosa pátria que tal protonauta gerou. Quisera ter engenho e arte, para em verso fino e pleno de verve, conclamar os cidadãos a colecta pública que, de maneira impoluta, permitisse o erguer, na praça citadina maior, de reveladora estátua através da qual a pátria, tão falha de filhos, agradeceria o gesto disseminador e altruísta
Poder-me-ão chamar de cínico, brincalhão, o que quiserem, todavia juro-vos que nunca estive tão sério.
O nosso país é, e sê-lo-á por algum tempo, potencialmente rico pelo simples facto de sermos apenas cerca dez milhões de habitantes. E se considerarmos a bordoada que de momento mutuamente nos distribuímos, só me posso sentir feliz por tão baixa população.
Imagine-se, utilizando a matemática do patriarca, um homem para três mulheres, como ele fez, daria dois milhões e meio de machos garanhões e permanentemente em cio, a fazerem filhos como em linha de montagem, a sete milhões e meio de fêmeas reprodutoras, e digam lá, se a sessenta e dois filhos por tríade paridos, não haveria agora infinitamente muitos mais sopapos distribuídos, uma Jamba muito mais vasta com milhões de prisioneiros de guerra, e não só, e todo um mar por aí fora?...
Assim, sinto-me angustiosamente ambivalente quanto a louvar o feito heróico do nosso valoroso patriarca, um pouco como aquele meu amigo lá da Ilha que, odiando doentia e proverbialmente a sogra, viu-a precipitar-se pelo morro do Mbinda abaixo conduzindo o seu Mercedes novinho e de recente importação. Analisados e pesados devidamente os prós e os contras, ficamos como que engasgados e sem palavras.
As variantes são inúmeras, vejamos.
Se me considerar machista com prerrogativas ancestrais e consolidadas, a atracção certamente existe. Sem escrúpulos! É só uma questão de sabedoria e bom senso no repartir das tarefas e carinhos conjugais, três vezes divididos ou multiplicados conforme o caso. Tiram-se os dias do paludismo e outras doenças em que se é atendido pela santíssima e carinhosa tríade em conjunto, fica-se com a impressão de que até vale a pena.
Como homem liberto e emancipado, é evidente que só posso estar em desacordo com tamanha tacanhez cultural, e tentar esconder a inveja, o ciúme, o despeito e, sobretudo a curiosidade permanente e atiçada, na eterna dúvida do “como realmente será ir para a cama com três mulheres”?
Como homem racionalista, tiro os azimutes, faço as contas à vida e fico na indecisão entre a cópula racional bi ou trissemanal, e a possibilidade de uma luxúria animalesca e irracional, um pouco do estilo benguelense.
Como funcionário público, aceito de imediato. Temos é que converter a impotência sindical para que, revigorada talvez com uma gemada, transforme os míseros e caducos trezentos kwanzas/filho de abono de família do tempo da outra senhora (pré independência), em moeda sonante que permita adaptação aos padrões actuais de vida. Isto conseguido, aposentar-nos-íamos para fazer mais filhos e aumentar o rendimento.
Talvez esteja aí a resolução dos problemas, porém que o Estado não me acuse de o ter levado à falência.
Quanto ao patriarca, que nem é de Cabinda, terra de miraculosa madeira afrodisíaca, incito-o a estabelecer um recorde que coloque Angola no Guiness Book of Records e, do alto de toda a minha admiração e inveja por vida tão prolífera, clamo altissonante:
Bem-haja ó trepadeira de cepa forte!...
12/07/92
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