quinta-feira, 1 de novembro de 2012

O FANTÁSTICO NA PROSA ANGOLANA






SÍLVIO PEIXOTO
Jurista de profissão,este jovem escritor teve a sua vida abruptamente ceifada num acidente de aviação, pelo que só escreveu um livro e do qual se extraíram os contos aqui inseridos. Nasceu em Kalandula, Malanje, a 27 de Novembro de 1963, tendo falecido a 17
de Junho de 1995.


A RIVAL

Se alguém alguma vez ouvir falar da minha história, há-de com certeza desculpar-me pela maneira rude e bravia como uso os termos.
Esta história é um foguete moral dirigido aos corações daqueles que não acreditam no amor, daqueles que são murchos e fechadiços como o Everest. Vou ser breve porque cada minuto que levo em desabafar arruína a sensibilidade interna do meu ser.
Para começar tenho a dizer que nós, as mulheres, somos um violino: a música que emitimos depende de como os homens tocam as nossas cordas musicais, o ritmo suave e pontiagudo do nosso erotismo sensual.
Conheci-o no aeroporto de Luanda, num dia de frio e nublado. Era a encarnação material de todas as ilusões motoras que uma mulher como eu, viúva e não muito bonita podia ambicionar.
Senti-me violentamente atraída como se eu fosse a epiderme para o seu corpo, como se ele fosse o pulmão para o meu aparelho respiratório.
Sentou-se ao meu lado na sala de espera e saudou-me com uma vénia de gentileza. Respondi-lhe com um monossílabo ininteligível, ao mesmo tempo que sentia o coração feito uma rocha dinamitada cujos fragmentos esvoaçavam pelo meu corpo e obscureciam a vista.
Apaixonei-me, viúva como era nos meus vinte e cinco anos de vida. Já não usava o negro, é claro.
Já no ar, desapertei o cinto de segurança e dispus-me a passear pelo corredor do avião, mais para vê-lo do que propriamente desentorpecer os músculos. De repente ele voltou-se também e nossos olhares se cruzaram, insistentes. Aproximou-se e perguntou-me da
viagem. Respondi-lhe que ia bem e deu-me um cigarro.
Quando chegou ao Lubango eu já tinha o seu nome, Eurípedes, e o seu telefone. Sete dias depois rendi-me totalmente à evidência dos factos e começamos a namorar. Ele era o meu Euípedes, eu era a sua Lutércia.
Deu um sentido á minha vida, purificou totalmente o cantinho das minhas vibrações femininas e o meu passado esfumou-se, dando lugar a um presente radioso. Eu era a sua Lutércia era bom de pronunciar. Sentia-me uma menina cheia de sonhos por encabritar.
Entretanto, como escritor, a fama de Eurípedes começou a crescer. Transladava de alegria no início mas depois, ano imaginá-lo rodeado de admiradores, pensei que muitos deles podiam ser mulheres e então ele não seria só meu. Seria uma espécie de oceano para todos os cardumes.
Um escritor famoso preocupa sempre uma amante por ele enamorada, pois é sabido que todos escritores deste mundo são uns levianos, sem execepção. Desculpa-me Eurípedes, mas também tu, por seres escritor, és um leviano.
A minha casa, no bairro da Minhota, começou a ficar rodeada de amigos, de entre os quais raparigas mais jovens e bonitas do que eu, o que me preocupava seriamente.
Não podendo por mais tempo conter o braseiro angustiante que me assolava a alma, perguntei-lhe com muita meiguice, na cama, se ele tinha outra amante, alguém que o amava tanto mais do que eu.
Ele beijou-me até ficar sem respiração e quando esperava que nada mais diria, respondeu-me que sim, que tinha uma amante, bonita e interessante, emancipada, terna, etc, Eu nada mais disse pois sentia-me como o que trespassada por uma espada.
Desde então a minha vida passou a ser um pesadelo mas eu queria-o muito e esperava que ele decidisse se quem de entre nós as duas, embora eu me sentisse já moralmente derrotada. Uma lei da vida que tinha que aceitar. Ele dotara a minha vida amorfa de uma fertilidade sensacional, ele tornaria a tirar a vida que dera á minha vida.
Sentido as minhas preocupações. Eurípedes disse-me que daí a dois dias me apresentaria a mulher que amava verdadeiramente, minha rival, e eu sentindo-me ultrajada e humilhada quis negar, mas a curiosidade de conhecer a sua amante foi maior que tudo o resto e aceitei, portando-me como uma mulher educada.
Quem seria a minha rival?
Seria a minha melhor amiga? Uma das minhas coligas de serviço, a minha vizinha que tinha vinte anos e só se vestia á moda?
Quem seria a minha rival? Alguém a quem eu já dera uma aspirina ou emprestara o ferro de engomar, quem?
No dia marcado eu tremia como varas verdes e havia emagrecido um quilo, segundo me revelar a balança. Ajeitei-me como pude e deixei-me conduzir por ele pelas ruas da cidade até um apartamento bem mobilado, melhor que o meu. Fez-me sentar e eu esperava o todo o momento vê-la irromper de qualquer canto para cair nos braços dele e beijarem-se esquecidos de mim.
Esperamos dez minutos sem que ninguém aparecesse e o telefone tocou, fez um «oh!» e uma cara entristecida, o que me deu a entender que ela desculpava-se por não vir. Cortou a ligação.
Disse-me que ela não viria que mesmo assim eu não me preocupasse que depois de ver um álbum dela a reconheceria de certeza.
Trouxe-me o álbum. Na primeira página estava ele, risonho.
Senti o ritmo do coração mais acelerado enquanto eu desfolhava o álbum. Uma exclamação de espanto escapou-se-me dos lábios, enquanto os meus olhos se dilatavam de admiração e o álbum caía ao chão. Ele acenou afirmativamente. Não havia dúvidas. Era a minha rival.
Tornei a olhar segunda vez para ter a certeza de que não me enganava. Não. não havia engano. Era a minha rival. Era eu mesma, Lutércia, que estava representada naquele álbum.
Fora tão ciumenta que me tornar rival de mim mesma.

In O Abraço da Guilhotina,
União dos Escritores Angolanos

3 comentários:

  1. Silvio Peixoto foi sem duvida um dos escritores que mais lutou pela dignidade dos escritores e juristas Angolanos. natural de Malange filho de um Pastor da igreja Metodista Unida.
    Que Deus lhe guarde no Céu como lhe guardamos nós nos nossos corações.

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  2. Silvio Peixoto Pseudónimo literário de Pedro da Silva de Morais, nasceu em Malange é filho de pastor da Igreja Metodista Unida. Foi um incansável na luta pela dignidade dos escritores e Juristas Angolanos. Silvio Peixoto ou Pedro da Silva de Morais foi ainda Director da direcção Jurídica da TPA e da Maboque, foi presidente da SADIA , foi júri do premio Maboque de Jornalismo. Um dos seus primeiros livros foi prefaciado por Jofre Rocha pseudónimo de Alberto de Almeida actual vice presidente do MPLA.
    Pedimos a Deus que lhe guarde no Céu como lhe guardamos nós nos nossos corações.

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  3. No link abaixo, estão varias obras de Silvio Peixoto ou Pedro de Morais.
    http://memoria-africa.ua.pt/Catalog.aspx?q=AU peixoto, silvio

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