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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

MEMÓRIAS DA ILHA - CRÓNICAS



DE HOMENS, PORCOS E OVELHAS

Não deixei de sorrir ao ler nas “Curiosidades” do Jornal de Angola, sobre a prisão de um homem por ter tido relações sexuais com um porco.
Imaginem!
Tantas foram as questões que se me colocaram e a tal velocidade, que por fim já não sabia como chegar a uma conclusão.
Tentei ver os direitos do cidadão suinófilo, e verifiquei que cada um come do que gosta, ainda por cima se for carne de porco.
Tentei ser magnânimo e defender a honra violada do porco, pôr na balança o peso do seu predestino, indagando-me se não viria a sofrer muito mais no facão, chegada a altura.
Achei, portanto, que o porco, se tivesse visão, deveria ter mantido aquele relacionamento na clandestinidade e não ter nada de que se ter posto para ali aos gritos, sem o mínimo de pudor. Todos conhecemos quanto grita um suíno, ainda por cima norte-americano, bem alimentado, 56 quilos de alta e vitaminada ração, cientificamente preparada, e de fazer inveja, em termos de proteínas, à alimentação de muita criança mundo afora.
Se decidiu bater com a língua nos dentes e desatar a gritar exactamente no momento em que a mana do pacato Austin Gullette passava, dando a conhecer ao mundo aquele amor incompreendido e viril, o que esperava?
Outra questão que me transcendeu, foi a da irmã (não é mencionado o nome da delatora) ter ficado envergonhada por nunca ter visto na vida dela alguém fazer aquilo a um animal indefeso.
Foi essa a palavra, indefeso, que de imediato fez acender uma luz de protesto. E se o animal não estivesse nessa situação de indefeso, teria sido uma porcaria permitida?
É que quando toca a questões de quintas, fazendas e seus animais, incluindo as galinhas, fica-nos muito espaço para a imaginação.
Recordo-me, estava eu a estudar na então metrópole, isto em 1958, e de ter feito uma pequena excursão, nas férias do verão, pelos Alentejos, o que me leva a evocar dois acontecimentos.
O primeiro, era que viajar à boleia naqueles anos em Portugal, era quase um exercício em futilidade, devo ter feito mais quilómetros a andar a pé de que de carro. Por isso tive muito tempo para ir apreciando os campos de trigo à berma das estradas.
O segundo, foi aquele que aqui vos vou relatar, como sustentação à minha indignação de ter sabido que um coitado de um veterinário qualquer, a pedido da irmã megera, teve que abandonar as delícias do seu consultório para vir examinar a vergonha ultrajada do suíno que, após o caso, começou a viver uma vida de miséria da qual só a misericórdia do facão o salvará. Imaginem, deu para andar a esconder-se à toa por tudo que é canto, e estar sempre assustado. Talvez a irmã do coitado do Austin decida submeter o porco a um tratamento psicanalítico para ver se recupera a saúde mental. Caso contrário, só lhe restará mesmo mandar fazer dele torresmos.
Mas voltando ao porco frio, já que a estória não mete vaca, estava eu encostado a uma cerca à espera de que aparecesse uma alma caridosa ao volante de um carro que me levasse mais para o sul, quando dou por um homem a ceifar o trigo ou centeio, não distingo um do outro, junto à estrada Ao fim de umas horas, durante as quais não passou carro nenhum, notei que o mesmo ceifara uma grande parte da área plantada, mas deixara duas pequenas zonas em que não tocara. Quando se aproximou, talvez para me informar que por ali raramente passariam viaturas, não resisti à curiosidade e indaguei porque havia poupado aqueles espaços?
“Por razões sentimentais.”, Respondeu.
“Desculpe, razões sentimentais?”
“Sim. Olhe naquele espaço maior, foi onde tive a minha primeira experiência sexual, talvez com a sua idade.”, Retorquiu, com um sorriso de quem se lembra de memória grata.
Curioso, perguntei pelo outro espaço não ceifado.
“Ah, ali foi de onde a mãe dela olhava!...”
“O quê? A mãe dela?”, perguntei, perplexo.
“Sim”
“E não disse nada?”, insisti, não querendo acreditar.
“Disse”
“E o que disse ela?”, continuei, a pensar que estava a gozar com a minha cara.
“Béééééééé!...”
Não imaginam pois, caros leitores, como fiquei quando li sobre o coitado do Austin e da sua possível prisão de cinco anos. Tivesse sido no Alentejo, ninguém se preocuparia. Esses americanos têm a mania de que têm que estar sempre à frente de tudo, até porque, segundo as palavras do xerife lá do sítio, o senhor Royce Toney, que colocou o suninófilo atrás das grades, já havia relatos de casos parecidos envolvendo cães, macacos e ovelhas, enfim, a banalidade diária. Mas com porcos?!....
12/09/04

domingo, 4 de outubro de 2009

BENFIQUISTAS DO MUNDO UNI-VOS


Como vivemos numa sociedade em que nos temos de desculpar de tudo, os maus-olhados são muitos, sinto-me forçado a um ponto prévio a fim de acalmar as vozes diversas a favor ou contra as idiossincrassias de origem colonial.
Metade do meu coração, aquela parte mais antiga e que guarda as memórias primordiais, é benfiquista de cepa, aquele Benfica do Otto Glória, do Torres, do Eusébio, do Simões, do Calado, do Águas, do Coluna, do Costa Pereira e de muios mais outros que não caberiam neste memorial. É o Benfica da minha meninice, dos seus desafios escutados em mornas tardes de domingo, ao som de um rádio de válvulas, ligado à bateria de um camião, no meu eterno Závula. Sou tão benfiquista quanto zavulista, ou o contrário, mesmo se nascido na Uizi.
A outra metade, a parte mais recente, a parte da dipanda, é petroatlétiquista de cepa, de cartão passado, embora quota não paga, seja honesto frizar.
Isto vem a propósito do sofrimento que, como benfiquista, experimentei há dias e por dois motivos. O primeiro, porque ansiava, e oh quão, ver o Porto derrotado. Deste modo sofri todo o desafio, até ao apito final do árbitro. O segundo, durante os noventa minutos, fui forçado a desbaratar uma mais valia moral acumulada com denodo junto aos meus santinhos, em preces ferverosas para que estes ajudassem o Sporting a levar avante de maneira exitosa a sua árdua tarefa. Tendo sido ouvido por estes, mesmo se com o património e reserva de pedidos delapidados, pulei de alegria. Uma alegria que só quem é do Benfica conhece e que me fez recordar um acontecimento ocorrido há muitos anos, talvez uns trinta e cinco, quando o pai de um amigo meu, benfiquista doentio e fiel depositário da história de todos os Benficas do Mundo, adoeceu gravemente. À beira da morte, em seu leito, chamou os filhos e fez-lhes um pedido que logo acharam insólito.
“Meus filhos, não vou durar muito mais, de hoje não passo, por isso desejo como último pedido que atendam ao que vos vou solicitar. Prometam!”
“Pai não diga isso, ainda tem muitos anos de vida”, quase responderam em coro.
“Não, tem que me prometer. De hoje ou amanhã não passo, sinto-o”.
Os filhos, atrapalhados, julgando ser a senilidade do pai a beter à porta, acabaram por anuir.
“Está bem pai, diga lá o que é. O que deseja?”
“Quero que me façam sócio do Sporting e...”
Não o deixaram acabar, de facto o velho estava a fica senil, só podia. Ele, a pedir para ser sócio do Sporting, o seu mais directo e visceral inimigo desportivo de toda uma vida? Ele, que ao Peyroteu sempre chamou de Peidoteu!
“Não me cortem a palavra, acalmem-se. Depois disso, quero que ve vistam com uma camisola do Sporting e coloquem o meu cartão de sócio no bolso das calças. Ouviram?”
Claro que só lhes restou um sim pai e cumprirem o que seria o último desejo seu. Dias depois, já vestido com a camisola do Sporting, cartão de sócio da mão, procedeu ao balbuciamento da despedida, enquanto a família se desfazia em lágrimas, certificada que estava de que, de facto, o velho estava prestes a chutar a bola.
A muito custo, o filho mais velho, também benfiquista doentio, não aceitava o que via. Tentou, uma úlima vez que fosse.
“Mas pai, porque nos obrigas a ver isto, morreres sportinguista, tu que sempre foste do Benfica...”
Num último estertor, o velho balbuciou as suas derradeiras frases.
“Filhos, fiquem a saber que um benfiquista nunca morre!”


OFTALMOLOGICAMENTE FALANDO

Sempre me fascinei com o uso que ocasionalmente é dado a palavras. Não são poucas as vezes que o tal exercício fez a razão das minhas crónicas, não no sentido pejorativo, mas sim na prazerosa descoberta de que, afinal, um pouco do mestre Tamoda reside em todos nós, quer o queiramos ou não.
O uso da palavra é, para mim, uma arte maravilhosa, sobretudo quando retirada ao seu “habitat” e transformada em ideia muito mais movimentada, muito mais musicada, em outras palavras, muito mais artística, por isso transcendental.
Conhecer alguém “só caralmente”, como me informou aquele FAPLA, no Uíge, em Janeiro de 1976, quando eu lhe indagara se conhecia o general Ndozi e se já avançara para mais ao norte com a famosa brigada, não acontece todos os dias e com qualquer um.
Podemos correr muito no calçadão ou em qualquer outro sítio, mas acabamos quase sempre por “engordecer”, não é?
Mas vamos ao que interessa.
Há dias, a minha enteada, estudante finalista num colégio de e para a elite (seja ela qual for) e que por delicadeza me abstenho de mencionar o nome, dizendo todavia que lá também se fazem sentir as julianas vinte mil léguas submarinas do nosso ensino, relatou-me que, ao ditar a matéria, por falta de material didáctico na cadeira de “Organização do Estado” (onde é que eu já vi isso, no meu passado juvenil?), o querido profe, em eloquência ambaquista, alertava que o tal de assunto, “no sentido oftalmológico e pessoal” ... etc., etc.
A miúda, apanhada desprevenida, só depois desta experiência concordou, sob meu espicaçar, ler os discursos do mestre Tamoda (obrigado Uanhenga Xitu), inocentemente indagou:
“Senhor professor, o que quer dizer isso?!....”
Profissional e dedicado, o mestre, que não leva desaforo para casa, retorquiu:
“Bem!... A menina sabe não é?!... Oftalmológico.... (Espera, para ver se efectivamente ela sabe. Confiante, continua). Vem de oftalmologia... e a oftalmologia tem a ver com a cara!... E pessoal, tem a ver com pessoa, não é?!...
Enquanto quase todos rabiscavam a pressas o ensino do mestre, uma dúvida persistiu. Quase vencida, todavia ainda não convencida, a garota exige esclarecimento. Afinal para o ano já vai para a Universidade.
“Professor, isso quererá dizer na visão das pessoas?”
De igual modo, o esclarecido do bom profe, meio vencido porém sempre convencido, dá a dica final, em apoteose, se eu estivesse lá para bater as merecidas palmas:
“Sim, sim, pode ser... Entre parênteses, coloque “na visão das pessoas”.
Sendo assim, e dia de descanso decretado pelo Criador, colocada que está entre parênteses a nossa visão pessoal, em detrimento do sentido oftalmológico e pessoal, desejo-vos um muito bom dia, mesmo se caralmente não conheça muitos de vós.