sábado, 4 de agosto de 2012

BATUQUE MUKONGO



12

Na varanda a bengala justiceira
do meu avô entrevado
acordava todas as manhãs
ensopada de todos os mijos
acumulados nas salinas do Ambriz
nas madeiras do Uíge na Uízi
no Congo dos belgas
encharcada dos pássaros do dia
José José sacana de miúdo
vem-me levantar vem-me mudar vem-me lavar
e eu na cama ao lado mudo e surdo
para a velhice nunca entrar nos meus dedos
nem na ponta da caneta
que de velho agora escrevo
a dor dos que não regressam
a ida eterna da minha mãe Maria
para sempre Alice
Maria mãe de Deus bela Alice
o meu umbigo enterrado no Uíge na Uízi
sempre distante do que nunca aprendi
por ser meio filho dos que vieram dos mares
mares que mandaram soberanos
antes da existência
de tsunamis a afogar
a perene linhagem materna do Kongo
sem força sem voz sem canção
para ditar o futuro
kadi tsua tsua kayimbila ko
kudi mona a mona nkayi andi (*)
todos mukongo
perdidos neste meu corpo
diluidos neste meu sangue
vivos no meu viver
sentidos no meu sentir
desde a infância embriagada
no perfume genésico da flor branca
na verde esperança dos bagos a suar
as gotas vermelhas da idade madura
para se anular no pó
negro café
da cor múltipla do Homem
a preencher o Mundo africano
ainda ténue e longe da aldeia global
pouca terra pouca terra pouca terra
no comboio sem marcha atrás
para poucos muita terra muita terra
apita fuííí… fuííí… fuííí…
comboio de feitiços
atravessando o meu Zavula
a voz irada do capataz Cardoso
recém chegado da metrópole
ainda com os cheiros do velho continente
ainda não caçara nem sabia
dos gambuzinos
a insultar o velho Efraim
capataz vitalício dos negros
pleno dos cheiros de África
África no sangue latejante da língua
que transforma
a ignorância em lagos azuis de ignomínia
insultos trovejantes de ira

 (*) Aquele que não é circuncidado não canta
      porque não viu a avó


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