ANTÓNIO
FONSECA
António Antunes Fonseca, nasceu no Ambriz a 9 de
Julho de 1956. Membro fundador da Brigada Jovém de Literatura de Luanda, tem
mantido actividade regular no jornalismo radiofónico, garantindo um programa de
dicado à tradição oral dos povos angolanos. Os contos aqui contidos, mantêm
toda a sua beleza das regiões Congo, revelando aspectos particulares sobre a sua
cultura.
Licenciado em Economia, é membro da União dos
Escritores Angolanos
O
CABELO E A FOME
Um dia foram às partes do leste fazer negócios
para, de seguida, irem comprar escravos e bois. Foram ao leste e trocaram
borracha com fardos de mantas e panos. Estavam já de regresso, quando, a meio
do caminho, o céu ficou carregado ameaçando chuva.
A fome começou logo a cortar ramos de árvores, a
arrancar capim e construiu uma cubata e meteu-se lá com o seu fardo. Quando o
cabelo ia também meter lá o seu fardo, a fome disse-lhe:
- Aqui não entras.
O cabelo disse à fome:
- Irmã, embora eu possa suportar as chuvas ficando
fora, deixa-me guardar o meu fardo na tua cubata.
Todavia, a fome não ligou ao pedido.
Choveu muito e o cabelo ficou molhado. Depois
meteram-se a caminhar e, tendo andado bastante, dormiram. Quando nasceu o novo
dia, o cabelo disse:
- Irmã, fiquemos hoje aqui para eu estender e secar
o meu fardo que se molhou com as chuvas de ontem.
Mas a sua irmã fome não ligou novamente ao seu
pedido.
Puseram-se de novo a caminho, até que chegaram à
aldeia deles de Kazocami, onde foram recebidos com muita alegria. Depois
deitaram-se.
No dia seguinte, o cabelo desata o seu fardo e
verifica que os seus panos e as suas mantas estavam meio podres de bolor.
Tentou apressar-se a secá-los ao sol, mas de nada lhe valeu.
As senhoras fizeram-lhe grande troça, dizendo:
- A fome trouxe bons panos e mantas, tu só
trouxestes esses podres. Quem vai aceitar esses artigos nesse estado?
Dias depois, partiram os dois irmãos para o Kuango,
onde ainda reinavam negócios de escravos e bois, a fim de comprarem os seus
escravos e bois. Quando chegaram, cada um apresentou o seu produto. Os clientes
apreciaram os artigos da fome em relação aos do cabelo, que estavam meio
podres. A fome comprou muitos escravos e bois; os fardos do cabelo ninguém os
quis comprara; os clientes queixavam-se que já estavam meio podres. Um velho
caçador ofereceu-lhe uma vaca pelo fardo todo, mas ele não quis e preferiu
voltar com o seu fardo para a aldeia.
Já estava de volta, quando um muata (chefe) da aldeia o chamou e lhe disse:
- Qual é a maka (conversa,
confusão)? Porque estás de volta com o seu produto?
Ele contou tudo quanto se dera. Então o muata disse-lhe:
- Dá-me todos os panos e todas as mantas e eu
dou-te um cão, que apanha cavalos-marinhos. Se souberes onde há
cavalos-marinhos, o cão apanha-os, e assim refarás toda a sua riqueza na venda
da sua carne.
E o cabelo aceitou o conselho e ficou com o cão. Os
irmãos retomaram o caminho e chegaram à sua aldeia. A fome sempre foi recebida
com aplausos e louvores, ao passo que ao cabelo sempre foi feita troça pela
população da sua aldeia, que dizia:
- Vieste com um cão! Farias bem melhor se voltasses
com o seu fardo! Porque é que compraste o cão?!
O cabelo, triste e revoltoso contra sua irmã,
separou-se dela.
E a fome foi morar à beira do rio, onde abundavam
cavalos-marinhos. Ela cultivava milho, feijão e jinguba; os cavalos-marinhos
comiam e estragavam todas as culturas. Ao recordar a actividade do cão do seu
irmão cabelo, foi, por isso, ter com o seu Irmão cabelo e disse-lhe:
- Meu irmão, empresta-me o seu cão para dar cabo
dos cavalos-marinhos que estão a estragar as minhas culturas.
- Não pensas e nem tão pouco tens vergonha!
Fizeste-me apanhar tanta chuva e o meu fardo teve que apodrecer a ainda vens
pedir o cão?
A irmã, porém, insistiu no pedido:
- Faz favor irmão, empresta-me o seu cão.
Este aceitou e satisfez o pedido da sua irmã.
- Toma cuidado! Quando fores com ele à caça dos
hipopótamos, o primeiro hipopótamos, não lhe castigues quando ele o comer! Se
assim o fizeres, ele fugirá e não o verás para sempre.
Quando a fome chegou a casa, começou a caçar em
perseguição dos hipopótamos e apanhou o primeiro. O cão iniciou logo e a fome,
com gula, bateu-lhe e assim o cão logo desapareceu.
Ela, atrapalhada, foi ter com o seu irmão cabelo e
disse-lhe:
- Meu irmão, o cão fugiu-me por minha desobediência
às tuas recomendações.
- Tens de pagar muito – disse-lhe o cabelo.
A fome, sem refilar, pagou muitos escravos e bois,
mas o cabelo exclamou:
- Ainda falta muito.
A fome entregou-lhe todos os filhos, netos e ficou
ela sozinha.
Este disse:
- Ainda falta muito.
A fome disse ao seu irmão cabelo:
- Uma vez que não tenho mais nada, ficou eu próprio
na tua casa como escrava.
- Nem com isso; falta muito.
Com medo da morte a fome desatou a fugir,
perseguida pelo cabelo. Ela olhou para trás… O seu irmão vinha com a catana; a
fome foi correr a uma boa velocidade, nem conseguiu travar e entrou na boca da
pessoa até ao estômago.
O cabelo, por sua vez, atrás da fome, veio parara
na cabeça, no queixo como barba, nos lábios como bigode, nas axila e nas outras
partes do corpo, à espera da senhora fome, para com ela ajustar as contas sobre
o cão alheio que tinha fugido.
E a fome quando tenta sair vê o irmão com o seu
exército em todo o corpo da pessoa e volta imediatamente para dentro. É assim
que as pessoas sentem o estômago a roer.
Local: Lunda, 1980
In: Contos de Antologia, INALD, 2008
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