domingo, 1 de agosto de 2010

MEMÓRIAS DA ILHA - CRÓNICAS


A VERDADE

Uma vez ouvi um homem famoso afirmar na televisão, que entre Deus e a Verdade, ele escolheria Deus.
Fosse qual fosse a verdade que tivesse que se tornar mentira, deduzi.
Sem desejar revelar ironia ou pessimismo, acho ser essa a regra do jogo, sendo os maiores mentirosos aqueles que se escudam atrás de Deus ou atrás da Pátria. Cedo aprenderam que, emocionalmente, ambos estão sempre lá para os proteger. Escolhendo Deus sobre a Verdade, tornam-se mais fácil os desígnios pessoais ou colectivos, queima-se, para exemplo e sem qualquer compunção, uma Kimpa Vita, uma Joana d’Arc, o Mundo deixa de ser redondo e passa a ser plano, o Sol gira à volta da Terra e por aí fora, sempre com a certeza de que as nossas consciências estarão limpas, não obstante os nossos actos. Deus vira uma abstracção, um conceito relativado segundo a conveniência, e a Verdade vira a palavra maleável, a plasticina com a qual moldamos as nossas intenções últimas e às vezes macabras, como nos provam todos os Hitleres, os Bokassis, os Pinochet os Pol Pots da História da humanidade, sem falar na Santa Inquisição.
É verdade que o Homem, monoteísta ou não, invariavelmente escolheu deuses que se parecessem consigo e com a sua interacção com a Natureza, englobado tudo o que ela tem de telúrico. Deuses ferozes, vingativos e sem contemplação, que se manifestavam através do trovão, da espada justiceira e, portanto, revestidos, pela mão do Homem, de uma moralidade imperdoável, para apaziguamento de uma ira divina que nada poderia justificar.
O Deus do Antigo Testamento pede a Abraão que lhe sacrifique o filho.
Muito recentemente, na horrenda desgraça que foi o Tsunami, as mesquitas ficaram de pé, talvez pela sua arquitectura em que predominam as aberturas, os claustros, dando assim vazão à água e, por esse facto, também aqui, para os islâmicos, Allah, sobrepôs-se à Verdade, à miséria humana, à pobreza, à falta de meios técnicos de detecção, e por esse facto, desapareceram da face da terra cerca de 300.00 pessoas, sem falar dos seres do chamado reino irracional.
Na verdade, ou melhor dizendo, na verificação das leis da física que regem o(s) Universo(s), este mesmo Universo não se compadece ou contempla a moralidade, a felicidade humana, ele move-se como uma máquina de engrenagens bem oleadas e em funcionamento ininterrupto de acordo com essas mesmas leis.
De modo algum estou a pôr em causa a crença, a existência de Deus, mas sim a reflectir sobre os caminhos que o Homem inventa a fim de que possa dizer, sem reservas, que acima de tudo está aquilo que ele pensa ser a sua consciência, ou a tranquilidade da sua consciência. Só assim o Homem consegue colocar Deus acima da Verdade, como uma fatalidade, porque, ultimamente, Ele será o responsável de todos os gestos, de todas as acções humanas, como o queimar das matas, o poluir dos oceanos e da atmosfera, as guerras de todos os tipos e, finalmente, da sua própria destruição.

13/03/05

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