quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

MEMÓRIAS DA ILHA


LOANDA

Ante Scriptum:

Com as parangonas que ocasionalmente o tal de acordo ortográfico (para mim teria sido muito melhor se fosso hortográfico) produz mundo fora, veio-me à mente uma discussão antiga de que como se deveria escrever Luanda, de seu nome completo São Paulo de Assumpção de Luanda, hoje com quatrocentos e tal aninhos. Aqui segue o que então escrevi sobre o assunto.


Há dias, um velho amigo mostrou-me um boletim antigo, propriedade da Liga Nacional Africana, o “ANGOLA” nº80/82, de Junho/Agosto de 1943. Ao lê-lo, um artigo reteve a minha atenção, um pouco pela sua actualidade.

Nele, era-nos dado a conhecer que, no semanário “O APOSTOLADO”, o emérito homem do saber que foi Lourenço Mendes da Conceição, demonstrava por a+b porque se escrevia Luanda com “u”.

Cinquenta e dois anos mais tarde, andamos nós ainda e igualmente com a preocupação de escrever, ou não, Cacuaco-Kakuaku, Luena-Lwena, Caxito-Kaxitu, Negaje-Ngaji, Angola-Ngola, e tudo isto com um alfabeto romano que inclui o “k” anglo-saxónico, o “y” grego, etc.

Informa-nos o “ANGOLA” que, em Outubro de 1942, tinha sido posto à venda um opúsculo intitulado “O VOCÁBULO LOANDA”, do senhor Júlio de Castro Lopo, que investia contra a adopção do termo “Luanda”, baseando seus argumentos, entre outros factos, no de não haver, a prior, uma disposição legal contrária, ou seja, o “Diário do Governo” continuava a utilizar a grafia “Loanda”, grafia essa que, igualmente, representava uma tradição de quase quatro séculos.

Não fossem os argumentos da lei e da tradição determinantes, o senhor Júlio Castro Lopo, segundo o “ANGOLA”, avançava ainda com a necessidade de se manter a pureza da língua, e não aquimbundar um termo que sempre se escreveu “à boa maneira portuguesa”.

Caso não se estivesse ainda vencido ou convencido, o bom Júlio Castro Lopo arrasava-nos com a argúcia que, sendo o Kimbundu uma língua inculta, não havia um caso de linguística a resolver pela etimologia da palavra, ipso facto.

Esta tese foi avançada, não obstante o jornal “A PROVÍNCIA DE ANGOLA” de 8 de Janeiro de 1927, ter inserido um artigo, considerado célebre à altura, do padre Ruela Pombo, no qual esse investigador deixava claro e de maneira irrefutável, que era erro utilizar a grafia “Loanda”, dado a palavra ser kimbundu e não portuguesa.

Seguindo nesta senda, o ilustre Lourenço Mendes da Conceição usa o “APOSTOLADO” para, numa série de artigos, mais tarde reunidos em volume em edição do semanário, destruir por completo a teoria de Júlio Castro Lopo. Neles rebatia: a) não ser a grafia “Luanda” nem uma arbitrariedade nem uma ilegalidade; b) não ser o facto de se ter escrito durante quase quatro séculos “Loanda” o suficiente; c) não poderia existir um império da etimologia sobre as chamadas línguas incultas; d) os diferentes significados do vocábulo “Luanda”; e) como se pronunciou e pronuncia o mesmo.

Esta separata, aparecida no “APOSTOLADO”, foi dedicada a Luanda com extensa nota bibliográfica, segundo o “ANGOLA”, demonstrativa de aturado estudo e valioso depoimento de António de Assis Júnior, à altura, o mais competente cultor do Kimbundu.

Após a leitura deste artigo, que nos guarde Deus de alguém se querer envolver em polémica de fonologia, se os nossos locutores (Quosque tandem, TPA, abutere patientia nostra?) devem pronunciar “estrélas, cométas e planétas”, ou dar-lhes aquela tonalidade que certos pensam que seja a própria, em memória das frias praias lusitanas.

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